Quem são seus influencers? 

Quem são seus influencers? 

Já sei que o assunto é sempre esse ultimamente: as transformações que a quarentena vai trazer e as lições que a pandemia veio nos ensinar. E isso em todas as esferas: a transformação digital, a redefinição dos nosso valores pessoais, a forma como vamos nos comunicar e nos relacionar com as pessoas, os cuidados que vamos passar a ter com a nossa saúde e higiene pessoal etc. Há uma quantidade enorme de artigos e programas de TV com cientistas, estudiosos e filósofos debatendo o assunto, e não tenho a pretensão de falar sobre isso no mesmo nível. 

Mas há algumas semanas, assisti a uma palestra com Rishad Tobaccowala – mais uma dessas oportunidades trazidas pela explosão de lives e webinars nesse período – que me fez pensar muito e por uma outra perspectiva. Era um evento virtual sobre Marketing Digital e estratégias de redes sociais em tempos de COVID-19. Rishad é Senior Adviser do Publicis Group e foi reconhecido pela BusinessWeek e pela revista Time por sua postura inovadora no Marketing. Ele é autor do livro “Restoring the Soul of Business: Staying Human in the Age of Data”, lançado em janeiro desse ano (infelizmente, ainda disponível em alguns países apenas. Ainda não li o livro porque não está disponível no Canadá. Estou literalmente “julgando pela capa”, mas ele fala sobre o livro aqui). 

Em sua fala, Rishad chamou atenção para algo que eu não tinha pensado ainda, mas me pareceu tão evidente e pertinente. Não lembro exatamente as palavras que ele usou, mas a mensagem era a de que muitas vezes nós somos infelizes no trabalho, fazemos algo que não nos dá prazer, simplesmente porque aquele tipo de trabalho sustenta um determinado estilo de vida que valorizamos – e até ostentamos, principalmente em tempos de redes sociais. Viagens caras, restaurantes da moda, marcas, hábitos exuberantes etc. E aí nos submetemos a um trabalho que nos causa uma série de aborrecimentos porque ele nos compensa de alguma forma e não queremos abrir mão disso. 

Mas agora estamos todos em casa. E para algumas pessoas, só sobrou o trabalho. Não tem mais viagem, restaurante caro, hábitos sofisticados. Claro que uns têm mais conforto do que outros (a desigualdade social continua existindo), mas não há tanta coisa assim que um salário altíssimo, resultado de um trabalho que não traz felicidade, pode comprar nesse momento. E isso me fez pensar em outra coisa: nos influenciadores digitais. 

Em tempos de redes sociais, de inúmeras lives e webinars, o que mais vejo é um vazio de conteúdo, principalmente de alguns influenciadores. Às vezes eu passo a acreditar que sem as viagens caras, os restaurantes sofisticados ou os “recebidos”, algumas dessas “celebridades” não têm mais nada de relevante a dizer. Quais são seus valores? Quais são seus compromissos? Será que eles sabem a responsabilidade do título de “influenciadores” que carregam? Será que eles entendem que, de fato, milhares de indivíduos são influenciados por suas atitudes? Será que a Gabriela Pulgliesi, influenciadora digital brasileira, tem noção do impacto que a festa irresponsável que ela deu em plena quarentena trouxe para os seus seguidores? Não só a festa, mas principalmente os stories que gravou desrespeitando a todos os que estão sofrendo direta e indiretamente por essa pandemia, e também aqueles que estão na linha de frente, enfrentando o vírus diariamente. Para mim, fica clara a falta de conteúdo e a falta do que dizer por estar isolada em casa sem poder viver o estilo de vida que a tornou celebridade. O resultado? Ela perdeu todos os seus contratos com as marcas devido à falta de alinhamento entre seus próprios valores e os valores das marcas que representava. O que as empresas buscam quando resolvem firmar uma parceria com influencers é um alinhamento de valores, crenças, propósitos, mensagens e hábitos. 

(Que fique claro que não estou falando aqui de professores de educação física, dança ou yoga, ou de artistas promovendo shows online ou discussões sobre música, de jornalistas fazendo bons debates, nutricionistas compartilhando dicas de como se manter saudável, chefs de cozinha ensinando receitas fáceis para pessoas que nunca cozinharam na vida. Não estou falando dessas pessoas. Estas são generosíssimas e estão fazendo um bem danado pra saúde mental da maioria de nós. Até brinco que o meu Instagram, por volta das 18h, mais parece uma academia de ginástica: não sei se faço a aula de dança, de yoga ou de ginástica; ou talvez decida aprender alguma receita nova para o jantar). 

E isso me faz pensar que talvez tudo isso que estamos vivendo vai fazer com que algumas máscaras caiam e que as pessoas passem a se conectar com aquilo que realmente lhes interessa e se alinha a seus valores e propósitos. Será que realmente vai haver uma mudança – para o bem – na maneira como nos relacionamos, consumimos e vivemos? Será que as empresas vão ser mais empáticas e passar a se comunicar com mais verdade, autenticidade e fazendo um marketing mais responsável, promovendo um consumo mais consciente?

Algumas coisas que tenho visto durante essa pandemia me enchem de esperança, principalmente por ver algumas marcas reposicionando seu discurso. Mas logo em seguida vejo notícias como a dos “porta-máscaras” de até R$ 600,00 desenhado pelo estilista Luddy Ferreira ou as máscaras que a Osklen disponibilizou em seu e-commerce por R$147,00 – e isso porque a Osklen se posiciona como uma marca conectada à sustentabilidade, terceiro setor e novas práticas para um mundo melhor (a Osklen é só uma citada aqui, mas tem muitas marcas fazendo o mesmo, cobrando preços absurdos).

Sei que a pandemia vai trazer muitas mudanças na maneira como consumimos, nos relacionamos, comunicamos, viajamos, trabalhamos e estudamos. Mas me pergunto se essa mudança será, de fato, profunda e duradoura. Será que vamos retomar nossos antigos hábitos (principalmente os ruins) pouco tempo depois que a pandemia acabar? Ou será que vamos rever de verdade os nossos valores e nossos ídolos? 

Para ajudar na reflexão, finalizo com duas imagens que, para mim, dizem muito sobre os dois extremos. A capa de maio da Marie Claire do México e o porta-máscara de R$ 600,00 lançado durante a crise do coronavírus. Para pensar: que tipo de influenciadores queremos ver nos nossos feeds?