Cisne Negro

(O texto já está escrito há muito tempo, mas o tempo para postar anda curto…)

Ok, confesso que o filme “Cisne Negro” mexeu comigo e não foi pouco. Vi o filme há quase um mês e fiquei muito tempo pensando muito nele e, quanto mais eu penso, mais “descubro” mensagens. É um filme extremamente intenso, sensível e verdadeiro.

Na minha opinião, ele retrata com perfeição o universo do artista. Não só do bailarino clássico, mas de qualquer artista. Ator, bailarino, músico etc. Qualquer um que tenha que vestir personagens diferentes a cada show ou espetáculo. Qualquer um que tenha que lidar com sentimentos e características, às vezes, tão opostas aos seus valores pessoais. Não acho que a Nina, personagem interpretado magnificamente por Natalie Portman, seja louca, como ouvi muita gente falando. Todo mundo tem alucinações, em pequenas ou grandes proporções. Pode ser através de sonhos ou imaginação, mas tem… Principalmente quem lida com a arte tão de pertinho.
E também acho que todo mundo tem um lado obscuro, que não queremos aceitar ou admitir que temos. E muitas vezes não temos coragem de nos aproximar desse nosso lado. Lembro que, quando eu fazia terapia, a minha psicóloga fala
va assim: “ela te incomoda tanto porque você também é assim, só que não ‘desenvolve’ esse seu lado”. E esse tipo de comentário que ela fazia me desconsertava e me irritava. Às vezes, eu falava de alguém que eu achava falso ou de gente que eu achava exibicionista demais… E eu não entendia quando ela falava que eu também era assim! Mas com o tempo, fui entendendo que não era isso. Que eu não era falsa ou exibicionista ou sei lá mais o que… Mas que, na verdade, todos nós temos os dois lados de tudo. Só que a gente “escolhe” qual deles nós vamos desenvolver, embora seja importante saber que temos os dois. Principalmente pra evitar o tipo de conflito que a Nina viveu no filme… Só que nada impede que o outro lado aflore sem o nosso controle.
E é aí que a escolha do ballet “O Lago dos Cisnes” foi perfeita. A história trata o tempo todo de dualidades: cisne branco e negro, perfeição e obsessão, pureza e perversidade, bondade e maldade. E obriga a Nina a mexer com um lado totalmente adormecido porque, durante toda a sua vida, ela só alimentou o lado “bom”.
Todo mundo fala que todo artista beira à loucura. E é justamente por isso… porque ele tem que se aproximar muito de características que, às vezes, podem ser muito diferentes da personalidade dele. E muitos artistas não têm psicológico pra isso. Um bom exemplo é o caso do Heath Ledger que se matou logo após interpretar o Coringa do Batman. O mesmo personagem foi interpretado, anos antes, por Jack Nicholson que, quando soube da morte de Ledger, comentou que sempre soube que ele não tinha psicológico para interpretar o Coringa. Além disso, muitos amigos próximos do ator disseram que o personagem estava mexendo muito com ele.
Outro exemplo, é de uma excelente bailarina que eu conheço que dançava flamenco. Muitas pessoas já me disseram que ela era excelente dançando Flamenco, mas que os sentimentos e emoções levados à flor da pele mexiam muito com ela e ela passou a ter uma série de problemas por causa isso, tendo que abandonar o Flamenco e a se dedicar somente ao contemporâneo e ao ballet clássico.

Por isso tudo é que eu acho que esse filme retrata perfeitamente a realidade das pessoas que vivem da arte ou tão próximas a ela. Acho que estes exemplos são o mesmo caso da Nina do filme, só que em proporções e contextos diferentes.
A Lilly, interpretada por Mila Kunis, eu entendo como uma pessoa que ela gostaria de ser e não teve oportunidade devido ao controle da mãe e a disciplina imposta pelo ballet clássico. Talvez por isso, ela ficasse tão obcecada pela imagem da colega de dança.
A auto-sabotagem também é outro assunto muito bem abordado no filme. Na verdade, foi uma das primeiras coisas que eu notei. Os repetidos machucados no pé ou as feridas nas costas, são coisas que nós fazemos sempre, mas não notamos que é sabotagem. Que bailarino nunca cutucou o dedão do pé às vésperas de uma apresentação importante? Mesmo na intenção de curar a ferida, nós sabemos que são grandes as chances de machucar mais ainda. Sabemos que tem gente especializada para cuidar disso, mas mesmo assim nós fazemos isso e, na maioria das vezes, dançamos com os pés machucados. Isso é bem representado pelas costas que ela não nota que está ferindo ou pelas peles que ela puxa dos dedos dos pés e das mãos. O filme mistura o tempo todo a realidade da alucinação. E me arrisco a dizer que é a mesma mistura que fazemos na nossa vida.
Além de toda essa trama psicológica, a direção é excelente. As cenas são lindas, envolventes, dinâmicas e fortes. É impossível tirar os olhos da tela.
Com certeza ainda vou pensar em mais coisas depois que postar esse texto. Vou ver o filme novamente para tentar entender melhor. Vale muito a pena, principalmente se você também é artista.