As vantagens de ser filha única em tempos de isolamento social
Nunca imaginei que ser filha única poderia ser tão útil nesse momento de pandemia mundial. Sim, claro, não gosto de ficar em casa e não é moleza. Mas a verdade é que está sendo mil vezes melhor do que eu pensava.
Desconsiderando a primeira semana em que eu fiquei conectada às notícias praticamente sem interrupção, quase enlouqueci no mercado quando vi tudo acabando, pensei nas pessoas que vivem em condições precárias e também estão passando ou vão passar por essa loucura e pensei que nunca passaria por uma situação como essa na vida; está tudo bem. Quando passei a me limitar a checar as notícias uma vez por dia, pela manhã, e fazer outras coisas depois, a quarentena mudou radicalmente para mim. Ainda dou uma “quase” surtada quando penso nos meus pais e no quanto eu gostaria de estar com eles agora, mas eles estão cooperando, então, tudo bem.
Quando eu era criança, muitas vezes não tinha com quem brincar no período de férias. Muitos amiguinhos da escola e os vizinhos viajavam ou se afastavam no verão e só me restava ficar em casa com minhas bonecas e com minha avó. Também ficava chateada com meus pais muitas vezes porque não me deixavam passar a tarde inteira na casa dos amigos da escola – mas vejam só como isso está sendo útil hoje!
E mesmo assim, eu sempre fui uma criança “auto divertida”. Inventava minhas brincadeiras, falava sozinha com minhas bonecas, jogava vídeo game e ficava inventando minhas coreografias. Lembro que uma coisa que eu fazia muito em casa (principalmente quando ficava sozinha ou quando meus pais estavam dormindo), era colocar um ventilador na porta do quarto dos meus pais e ficar andando do espelho da sala até o espelho do quarto, como se estivesse em uma passarela. Ah, o ventilador era pra dar o efeito de cabelo esvoaçante de comercial de shampoo ou maquiagem, é claro!
E como eu me divertia! Sozinha!
Outra coisa que eu fazia muito era cabana de papel. Meu pai trazia um monte de papel de rascunho do trabalho daquelas impressoras antigas com papel emendado e eu inventava cabanas.
Nunca dava certo, mas valia a tentativa – eu me divertia com a ideia, me irritava com o fato de nunca conseguir montar a cabana e ia brincar com minhas Barbies. Tudo bem também.
Sempre arrumei o meu jeito de me divertir. Dançar sempre fez parte da minha vida mesmo antes de começar a fazer ballet aos 5 anos. Tendo uma música e um espelho, estava tudo bem. Sempre foi a minha melhor terapia.
E assim fui crescendo, ocupando meu tempo livre quando era adolescente, com mil aulas e atividades paralelas na época da faculdade, e não foi diferente até praticamente a véspera de me mudar para o Canadá. Trabalhava no escritório, dava aulas de dança e em faculdade, estudava música, praticava yoga, e tinha ensaio de dança aos sábados (depois de dar aula de manhã), e estava quase assumindo uma outra turma na faculdade pelas manhãs, às 7h, antes do trabalho no escritório (porque se eu mudasse o curso de música para segunda, terça e quinta, conseguiria liberar as manhãs de quarta e sexta). Ufa! Sempre fui assim e um dos motivos que me fez querer sair do Brasil era justamente tentar sair dessa rotina enlouquecedora que não tinha mais como ser diferente.
A maioria dos meus amigos do Brasil me conheceram em algum momento da minha vida “normal”, no “meio do caminho”, e nos primeiros 5 minutos já entendiam que eu era uma pessoa, digamos, ocupada. Eu sempre tive a agenda cheia, mil atividades (e das mais variadas), e sempre tinha que combinar com antecedência um simples happy hour. Era bom e era ruim (tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim – ou quase tudo). Mas essa era eu. A mesma criança que não ficava entediada em casa se não tivesse o que fazer – porque eu sempre arrumava o que fazer. (Esses dias, conversando com uma amiga do Brasil, ela disse “claro, essa é a Lorenna tubarão que eu conheço: se parar, morre”. E é bem isso).
Quando me mudei para o Canadá, “zerei” minha vida. Comecei tude de novo. Não tinha tantas atividades para fazer, não tinha aula de dança, música, yoga ou faculdade. Nada. Nem emprego! E assim fui formando meus novos amigos daqui, que não conheceram a minha essência e não entendem quando eu digo que estou entediada porque não faço nada aqui. Ou quando digo que quero fazer um determinado curso (geralmente bem aleatório). Ou quando prefiro deixar de sair “porque estou ocupada aqui com umas coisas de casa” ou “porque quero ler um artigo ou livro” – “lê depois”, “faz depois”, eles dizem. (Importante: eu amo cada um dos meus amigos aqui e tenho muita gratidão por eles serem insistentes comigo. Quando a gente mora longe da nossa família, o que segura a onda são essas pessoas que a vida coloca no nosso caminho. Que fique claro que não estou reclamando, só estou dizendo que eles me conheceram numa fase diferente da minha vida. Diferente principalmente pra mim!).
Mas tem uma coisa única nesse papo todo de quarentena: eu voltei a ter controle sobre o meu tempo como eu tinha antes e isso é fantástico. Vou explicar.
Com essa campanha #fiqueemcasa, não posso fazer nada mesmo. Como todo o mundo hoje (e “todo o mundo”, dessa vez, não é uma hipérbole) não posso encontrar ninguém, tenho que limitar minhas saídas de casa somente ao mercado, estou 24/7 nesse apartamentinho onde vivo (e graças a Deus tenho um lugar bacana para morar e comida na geladeira – diferente de muitas pessoas no mundo. Não tenho como reclamar, tá vendo?). Mas não posso fazer nada.
Ou melhor… Lembra da criança filha única criativa e agitada? Eu já tenho toda uma agenda para os dias de quarentena! Inclusive com metas! Enquanto escuto (ou leio, considerando nossa comunicação super baseada em texto de WhatsApp) meus amigos dizendo que não aguentam mais ficar em casa, ou que não veem a hora de poder sair à rua, vou te dizer que eu tô bem “de boa”.
Acordo entre 6h e 6:30h, faço yoga, leio as notícias do dia, falo com meus pais de manhã, vou trabalhar. E, depois do trabalho, cada dia tenho uma programação diferente, mas tenho tempo pra estudar flamenco (como disse antes, uma música e um espelho são tudo o que eu preciso pra me acalmar), tenho tempo para ler a pilha de livros que trouxe do Brasil (e mais a pilha que já comprei por aqui, por mais que tivesse prometido a mim mesma que não compraria mais nenhum livro enquanto não terminasse os que eu tenho para ler), tenho tempo para fazer vários cursos online (quem me conhece sabe que eu amo um curso online), tenho tempo para ler revistas, escutar e conhecer novos podcasts, falar com as pessoas do Brasil por vídeo (em geral é difícil conciliar as agendas, mas agora está todo mundo em casa mesmo).
Eu tenho uma programação intensa e me arrisco em dizer que vou sentir um pouquinho de falta dessa paz que a quarentena me trouxe. Óbvio, que eu quero que isso tudo passe, que encontrem logo uma cura para esse vírus e que parem de morrer pessoas no mundo por conta do Covid-19 (e também quero poder sair de casa, rever as pessoas e retomar as atividades que ficaram suspensas, é claro). Mas acho que esse tempo em casa está servindo pra me mostrar que o meu tempo e, principalmente, retomar o controle sobre ele, é muito importante. E também, é claro, me mostrou que ainda existe uma criança filha única e auto divertida por aqui.
Os memes que eu mando para os meus amigos sobre a loucura de ficar em casa, é só porque eu acho impressionante o poder de criatividade das pessoas em inventarem gifs tão divertidos (que me fazem rir alto de verdade) em momentos tão adversos como esse. Me divirto e quero que as pessoas se divirtam também, mas não estou surtando. Estou bem feliz, com controle do meu tempo, com a agenda intensa – como sempre foi e como deve ser pra mim, porque essa sim, é a minha essência.
Agora preciso ir porque é hora da yoga. E você, #fiqueemcasa também e, mais importante, #fiqueempaz. 😊