Monólogos mudos

No último domingo, fui ver, com um amigo, a tal peça de Pedro Cardoso, “O autofalante”. O Teatro das Artes estava lotado e havia uma fila imensa e demorada na bilheteria. O público era composto, em sua maioria, por jovens entre 20 e 40 anos. Ainda bem! Imagino a reação da minha avó se ela estivesse naquela sala. Sentei em uma cadeira super mal-localizada (e olhe lá, porque quase não havia mais assentos disponíveis), mas não tão ruim quanto o script do espetáculo.

Começou inesperadamente. Estava tranqüila, batendo papo, quando, de repente, aparece o Pedro Cardoso conversando com o público. Não entendi nada. Cadê os três sinais que antecedem qualquer espetáculo? Por que a luz estava acesa? E essas pessoas entrando ainda? Mas que falta de respeito com o pessoal que ainda está na fila! Oito horas em ponto? Desta vez começou na hora certa?

Olhei para o meu amigo com cara de espanto e, qual não foi a minha surpresa quando ele disse: “ele fez o mesmo em ‘Os Ignorantes’”?? Primeiro: não assisti “Os Ignorantes” que, segundo ele, é melhor que “O autofalante”. Segundo: ele fez o mesmo? Mas… E a criatividade? Terceiro: fez o mesmo e o público ainda achou graça? Sim, porque todos estavam morrendo de rir.

Deixe-me explicar: ele entra e diz que não é o personagem ainda. Que é ele mesmo, Pedro Cardoso, que veio ali conversar com a platéia. Pede desculpas porque acha mal-educado terminar uma peça sem agradecer, mas, que este foi o melhor final que ele encontrou para o roteiro e, por isso, não gostaria de muda-lo. Então, estava ali agradecendo antecipadamente. E todos, é claro, aplaudiram (!!!). Ok, inclusive eu. Não queria parecer a antipática da situação.

Não tem como negar que eu dei algumas risadas durante a peça. Ele é engraçado, e isto é fato. Mas o vocabulário dele é tão pobre. Ele se resume a uns seis ou sete palavrões e os repete durante hora e meia. Ainda bem que ele avisou antes: “Eu mesmo censurei o espetáculo porque tem muito palavrão. Aliás, vocês vão lembrar da peça assim: ‘Mmm… era aquela peça dos palavrões’”.

Estranho. Até domingo passado eu não sabia que era legal lembrar de uma peça devido aos palavrões. Eu achava que o interessante fosse lembrar do espetáculo porque ele te acrescentou em algo, te passou uma mensagem legal, te ensinou alguma lição nova, te fez refletir, te fez dar boas risadas por ser uma comédia inteligente, enfim… Eu tinha um conceito completamente diferente de diversão.

Aliás, comédia inteligente é algo que eu não vejo já há algum tempo. E fico impressionada quando vejo alguém falando que tal peça é uma comédia “engajada” ou “de boas sacadas”. Peraí. Boas sacadas? Imitar um maluco falando ao telefone com uma atendente de telemarketing é boa sacada??? É novidade??? Nunca ninguém fez isso antes??? Nem o próprio Pedro Cardoso? Já o vi 20.972 vezes na televisão fazendo a mesma coisa que eu vi em “O autofalante”.

O que me entristece, na verdade, é comparar bons espetáculos que, infelizmente, saem de cartaz por falta de verba ou por insucesso de público, a verdadeiros “besteiróis” como este do Pedro. E perceber que as pessoas gostam disso. Lotam estas salas de teatro. Fazem filas gigantescas. Compram ingresso antecipado.

Nada contra besteirol. Tanto que eu fui assistir o Pedro e, certamente, não imaginei que a peça seria a mais inteligente do mundo. Mas peralá. O que é que este povo tem contra um espetáculo mais… digamos… “agregador”? Conheço pessoas que têm verdadeira aversão a peças mais inteligentes ou que remetem à nossa cultura. Dizem que é coisa de autista, de gente metida a cult, que acha que é intelectual. Não, não, não! Eu só não entendendo por que as pessoas gastam R$40 ou R$50 para ver uma peça deste nível e lotam teatros, mas não gastam R$20 em um teatro mais rico, que vive com as salas vazias.

Acho que isso tudo é carência. As pessoas precisam rir e riem de qualquer coisa. É como se fosse uma “risada nervosa”, como definiu Bárbara Heliodora sobre o monólogo da Deborah Bloch. Como se nada na vida delas fosse agradável e qualquer coisa descontraída, as fizesse rir.

É uma pena ver o teatro brasileiro indo por este caminho. Temos grandes nomes, mas muito mal aproveitados. Somos um povo essencialmente criativo, mas ultimamente temos falhado. Temos o que dizer, mas preferimos emudecer. Parece que a moda agora é monólogo – só na cidade do Rio de Janeiro, temos nove este mês. O problema é que os atores entram, falam, falam, falam… Mas não dizem absolutamente nada.